Má consciência e a psicologia da espetacularização do sofrimento
DOI:
https://doi.org/10.20911/25260782v10n1p115/2025Resumo
na Genealogia da Moral, Nietzsche afirma que a violenta inibição da descarga pulsional para fora forçou os indivíduos a redirecionarem a vazão instintiva para dentro de si mesmos. Três são as consequências desse processo. Primeiro, inicia-se a interiorização psíquica do bicho homem. Segundo, surge um novo tipo de sofrimento, o do ser humano consigo mesmo. Terceiro, produz-se a necessidade de inventar um meio para suportar a nova sôfrega condição: a figura do espectador. Neste trabalho, exploramos a terceira consequência. Nossa hipótese é que a espetacularização do sofrimento é uma ficção psicológica necessária para sanar o déficit de poder, oriundo do impedimento da descarga pulsional contra outros indivíduos. Seu funcionamento consiste em ficcionar um observador mais poderoso, a exemplo de uma divindade, para que atribua valor positivo ao sofrimento oculto. Assim, o sofredor justifica para si próprio seu tormento e pode aproveitá-lo para fins de engrandecimento do próprio poder. Ao explorar as implicações desse mecanismo psíquico, indicaremos de que maneira, para Nietzsche, o dispositivo da espetacularização seria a explicação psicológica para a origem dos deuses e das religiões, bem como do aperfeiçoamento moral humano. O mesmo mecanismo guardaria, ainda, a possibilidade de uma justificação afirmadora da vida na modernidade. Com essa argumentação, objetivamos mostrar que, para Nietzsche, espetacularizar o inédito sofrimento do homem com seu interior não só foi o motor do desenvolvimento da alma, como também é parte integral do funcionamento psíquico do homem sociabilizado.
Palavras-chave: Sofrimento. Espetáculo. Espetacularização. Psicologia